Na conferência de encerramento conduzida pelo Prof. Dr. Amado Luiz Cervo, o tema central debatido foi o crescimento das Relações Internacionais no Brasil e sua projeção nos próximos anos. Com autoria em vários livros e dezenas de artigos na área, o Professor Amado Cervo comentou o encaminhamento da concretização, evolução e desenvolvimento das Relações Internacionais enquanto campo de estudo no Brasil.
Confira abaixo o artigo publicado aqui com exclusividade, produzido pelo Professor Amado Luiz Cervo sobre o tema.
O CRESCIMENTO DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS NO BRASIL E SUA PROJEÇÃO NOS PRÓXIMOS ANOS
Seminário 40 anos de
ensino de relações internacionais no Brasil
24 abril 2014 – IREL-UnB
Amado Luiz Cervo
Podemos medir o crescimento das
relações internacionais no Brasil de duas maneiras: usando
indicadores cognitivos ou usando indicadores sociais. O modo
epistemológico ou o modo ontológico. O modo cognitivo de medir
utiliza três indicadores: expansão do ensino, da produção
científica e da comunidade epistêmica de especialistas. Os três
registram expansão exponencial desde os anos 1990. Em suma, o
Brasil vem dando sua contribuição ao conhecimento das relações
internacionais, comparativamente com centros avançados de estudo.
Não tomamos, contudo, esse caminho, objeto de inúmeras exposições
e debates nesse seminário.
Vamos medir o crescimento e
identificar perspectivas das relações internacionais do Brasil,
fazendo referências a experiências da vizinhança, guiados pela
seguinte hipótese: os fundamentos das relações internacionais são
três: economia, política e história.
Com efeito, o sistema
internacional dos últimos séculos foi conformado por estas três
determinações de origem, três forças de propulsão.
A economia provê de meios
a política exterior, a segurança e a internacionalização
econômica, ou seja, capacitação militar e estratégica, comércio
internacional, expansão financeira e expansão empresarial.
A política pondera meios internos
para estabelecer objetivos estratégicos externos, consoante
desígnios nacionais, forjados pela identidade nacional. Os desígnios
nacionais tomam impulso tanto dos pensadores do destino nacional,
quanto dos segmentos dinâmicos da sociedade que agem externamente
por interesses específicos, sob o manto do Estado. Busca em suma
realizar o bem estar do povo; por vezes agrega o bem estar da
humanidade. A guerra? Não corresponde à política por outras vias?
A história identifica e condiciona
tendências de crescimento e declínio das potências e
modificações sistêmicas resultantes do jogo de forças da economia
e da política.
A aplicação da hipótese ao
crescimento das relações internacionais do Brasil, com base nesses
três propulsores de origem, leva em conta o período que se inicia
em 1930 e se aventura em prospectiva de futuro próximo.
1. O fundamento econômico nacional e
as perspectivas
A América Latina e o Brasil passaram
por dois movimentos de internacionalização econômica de
1930 a nossos dias.
O primeiro, sob o signo do paradigma
desenvolvimentista, foi responsável por uma industrialização
impelida de fora para dentro por capitais, empreendimentos e
tecnologias do centro do capitalismo. Tanto os Estados quanto as
empresas multinacionais orientaram esse primeiro movimento para o
mercado interno, sem preocupar-se com exportações e com o avanço
tecnológico. À sombra de uma quase reserva de mercado, Estados e
empresários introduziram, pois, nova dependência estrutural, no
lugar daquela histórica dependência regional de economias
primário-exportadoras, que vinha da Independência. O
desenvolvimento econômico do Brasil e da América Latina em geral
foi, destarte, obstruído, por efeito de exacerbada introspecção.
A superação dessa nova dependência
estrutural poderia ter sido encaminhada por uma política industrial
e tecnológica adequada. Nem os políticos, nem o empresariado, de
modo geral, cogitaram nisso, tão confortável era aquela reserva de
mercado. O contra-movimento progressista, rumo ao avanço
tecnológico, foi por certo concebido por alguns políticos, por
poucos empresários da indústria e pela maioria do empresariado do
agronegócio.
Os choques da abertura econômica dos
anos 1990, deixaram os empresários meio tontos diante de sua
indolência em investir em produtividade e competitividade.
Despertaram? Os mecanismos de privatização contribuíram para
sacudir a indolência. Haveriam esses empresários, tanto brasileiros
quanto de multinacionais, de investir em inovação, elevar a
competitividade e tomar, enfim, o rumo das exportações de produtos
com valor agregado? Em certa medida, sim, em maior medida não.
Examinem a queda percentual da indústria na composição do PIB
brasileiro, a dificuldade em exportar manufaturados e mesmo a
dificuldade em competir no mercado interno com produtores
estrangeiros, sem falar da chamada reprimarização econômica.
Apesar das limitações do primeiro
movimento de internacionalização econômica, o segundo, desta
feita, de dentro para fora, com a expansão global de empresas
nacionais, tomou impulso em poucos países da América Latina, de
forma substantiva no Brasil, relevante também para México e Chile.
Condições haviam sido postas nos anos 1990, porém a consolidação
do movimento, pelo menos para o Brasil, ocorre no século XXI. Esse
segundo movimento de internacionalização corresponde por certo a um
salto de qualidade rumo à maturidade sistêmica da economia de
mercado, porém não produz necessariamente impacto abrangente sobre
aquela forma de dependência estrutural, derivada da escassez interna
de investimentos em inovação.
Em suma, o desenvolvimento segue sem
superar obstruções de percurso. Por enquanto, não se observa no
horizonte perspectivas de mudança qualitativa no que tange à
modalidade de dependência econômica estrutural acima referida. A
construção no Brasil de uma base econômica de impacto sistêmico
segue lerda, lenta e truncada.
2. O fundamento político nacional e as
perspectivas
De 1930 a nossos dias, o Brasil passou
por dois consensos regionais, depois avançou para uma opção
globalista própria que se consolida no século XXI. Três fases
espelham a evolução da política como fundamento das relações
internacionais do Brasil.
O consenso desenvolvimentista
latino-americano, uma realidade palpável, implicou em estratégias
feitas e desfeitas e racionalidade muito variável da política de
industrialização entre os Estados da região. Daí rupturas, ritmos
e efeitos diferenciados, especialmente onde partidos políticos,
governos e regimes políticos se impuseram sobre a racionalidade do
processo decisório e comprometeram as estratégias de
desenvolvimento. Os dirigentes brasileiros foram, por certo, os que
exibiram maior continuidade, por isso recolheram os melhores
resultados de desenvolvimento do consenso.
O consenso neoliberal latino-americano
dos anos 1990 exibiu maior coerência regional. Mais uma vez,
contudo, as experiências nacionais foram diferenciadas,
especialmente a brasileira, visto que Fernando Henrique Cardoso foi
capaz de fazer autocrítica de suas concepções e decisões
políticas e de encaminhar a nação para seu sucessor em condições
favoráveis ao salto de qualidade da internacionalização econômica
e da ascensão do Brasil como potência emergente.
Assim desperta a vocação
globalista do Brasil no século XXI. Nesta fase, de formulação
política própria, o Brasil se distancia da vizinhança. O
universalismo da política exterior a sugeria. No século XXI, o
país exibe essa disposição de exercer um papel global. Para
reforçar seu poder e influência sobre o sistema internacional e os
regimes que lhe são próprios, o país recorre a estratégias bem
definidas: multilateralismo de reciprocidade, formação de coalizões
de poder, integração regional instrumental, parcerias estratégicas
bilaterais e, sobretudo, expansão para fora de suas empresas
nacionais, aquela segunda internacionalização econômica.
É presumível que essa vocação
globalista do Brasil, apesar de claro declínio de eficiência
durante o governo de Dilma Rousseff, recupere seu movimento
ascendente em futuro próximo. Forças políticas e da sociedade, que
venham agir nesse sentido, estão apenas sonolentas.
Quanto à capacitação militar,
relevante agregado do poder nacional, a decisão política de
construir potência, própria dos meados do século XIX e da era
Geisel no século XX, não vingou e não vingará no futuro, em razão
da matriz identitária da nação e da valorização da convivência
pacífica com os vizinhos.
3. O fundamento histórico nacional e
as perspectivas
A Revista Brasileira de Política
Internacional, RBPI, constitui a mais longa coleção de
estudos sobre o crescimento das relações internacionais do Brasil:
pensamento brasileiro, negociação diplomática, desígnios
políticos e envolvimento da sociedade por meio de agentes econômicos
e sociais não governamentais.
Os estudos acerca das relações
internacionais do Brasil, escassos na Academia até os anos 1990,
quando o IREL era quase o centro único produtor de conhecimento,
multiplicam-se desde então, no embalo da abertura econômica
e social e da multiplicação exponencial de cursos de graduação,
ao lado de programas dinâmicos de pós-graduação.
Este conhecimento disponível permite
identificar tendências históricas. Já nos referimos a
algumas tendências das últimas décadas. Nossa reflexão
prospectiva conduz às seguintes projeções:
a) ensino e pesquisa voltados à
inserção internacional do país seguirão produzindo volume
crescente de conhecimento, posto à disposição de decisores
privados e dirigentes de Estado, com a fim de instruir a gestão da
ação externa.
b) a vocação globalista do país, um
desígnio da identidade nacional em fase de consolidação, manterá
ritmo crescente em médio e longo prazos;
c) o desenvolvimento interno seguirá,
porém obstruído pela ausência de política tecnológica de
parte do Estado, pela ineficiente relação entre Universidade e
empresa, como ainda pela baixa propensão do empresariado presente no
país, brasileiro e estrangeiro, em inovar para elevar a
competitividade de produtos e serviços a nível sistêmico;
d) a nova funcionalidade do Estado, que
conceituamos em nossos estudos como Estado Logístico, feita à base
da cooperação entre dirigentes e agentes não governamentais e da
confiança mútua, é irreversível. E constitui o motor do
desenvolvimento interno e da inserção internacional, visto haver
superado definitivamente o Estado desenvolvimentista, o Estado
neoliberal e o Estado neodesenvolvimentista, os quais se mantêm ou
ressurgem na vizinhança.
Conclusão
Novidade. O
crescimento das relações internacionais do Brasil no campo
cognitivo é tal que induziu uma iniciativa: o Dicionário de
Relações Internacionais do Brasil. Um grupo de pesquisadores do
IREL coordena. O projeto, em fase de implantação, prevê a
colaboração da comunidade de especialistas nacional, espelhar sua
maturidade, alcançando assim o melhor grau de objetividade e
representatividade. Fatos, conceitos e agentes relevantes ou
propulsores da ação externa estarão listados nos verbetes.
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