sexta-feira, 25 de abril de 2014

Conferência de encerramento

Na conferência de encerramento conduzida pelo Prof. Dr. Amado Luiz Cervo, o tema central debatido foi o crescimento das Relações Internacionais no Brasil e sua projeção nos próximos anos. Com autoria em vários livros e dezenas de artigos na área, o Professor Amado Cervo comentou o encaminhamento da concretização, evolução e desenvolvimento das Relações Internacionais enquanto campo de estudo no Brasil.

Confira abaixo o artigo publicado aqui com exclusividade, produzido pelo Professor Amado Luiz Cervo sobre o tema.


O CRESCIMENTO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL E SUA PROJEÇÃO NOS PRÓXIMOS ANOS
Seminário 40 anos de ensino de relações internacionais no Brasil
24 abril 2014 – IREL-UnB
Amado Luiz Cervo

Podemos medir o crescimento das relações internacionais no Brasil de duas maneiras: usando indicadores cognitivos ou usando indicadores sociais. O modo epistemológico ou o modo ontológico. O modo cognitivo de medir utiliza três indicadores: expansão do ensino, da produção científica e da comunidade epistêmica de especialistas. Os três registram expansão exponencial desde os anos 1990. Em suma, o Brasil vem dando sua contribuição ao conhecimento das relações internacionais, comparativamente com centros avançados de estudo. Não tomamos, contudo, esse caminho, objeto de inúmeras exposições e debates nesse seminário.

        Vamos medir o crescimento e identificar perspectivas das relações internacionais do Brasil, fazendo referências a experiências da vizinhança, guiados pela seguinte hipótese: os fundamentos das relações internacionais são três: economia, política e história.
        Com efeito, o sistema internacional dos últimos séculos foi conformado por estas três determinações de origem, três forças de propulsão.
        A economia provê de meios a política exterior, a segurança e a internacionalização econômica, ou seja, capacitação militar e estratégica, comércio internacional, expansão financeira e expansão empresarial.
      A política pondera meios internos para estabelecer objetivos estratégicos externos, consoante desígnios nacionais, forjados pela identidade nacional. Os desígnios nacionais tomam impulso tanto dos pensadores do destino nacional, quanto dos segmentos dinâmicos da sociedade que agem externamente por interesses específicos, sob o manto do Estado. Busca em suma realizar o bem estar do povo; por vezes agrega o bem estar da humanidade. A guerra? Não corresponde à política por outras vias?
        A história identifica e condiciona tendências de crescimento e declínio das potências e modificações sistêmicas resultantes do jogo de forças da economia e da política.
        A aplicação da hipótese ao crescimento das relações internacionais do Brasil, com base nesses três propulsores de origem, leva em conta o período que se inicia em 1930 e se aventura em prospectiva de futuro próximo.

1. O fundamento econômico nacional e as perspectivas

        A América Latina e o Brasil passaram por dois movimentos de internacionalização econômica de 1930 a nossos dias.
        O primeiro, sob o signo do paradigma desenvolvimentista, foi responsável por uma industrialização impelida de fora para dentro por capitais, empreendimentos e tecnologias do centro do capitalismo. Tanto os Estados quanto as empresas multinacionais orientaram esse primeiro movimento para o mercado interno, sem preocupar-se com exportações e com o avanço tecnológico. À sombra de uma quase reserva de mercado, Estados e empresários introduziram, pois, nova dependência estrutural, no lugar daquela histórica dependência regional de economias primário-exportadoras, que vinha da Independência. O desenvolvimento econômico do Brasil e da América Latina em geral foi, destarte, obstruído, por efeito de exacerbada introspecção.
        A superação dessa nova dependência estrutural poderia ter sido encaminhada por uma política industrial e tecnológica adequada. Nem os políticos, nem o empresariado, de modo geral, cogitaram nisso, tão confortável era aquela reserva de mercado. O contra-movimento progressista, rumo ao avanço tecnológico, foi por certo concebido por alguns políticos, por poucos empresários da indústria e pela maioria do empresariado do agronegócio.
        Os choques da abertura econômica dos anos 1990, deixaram os empresários meio tontos diante de sua indolência em investir em produtividade e competitividade. Despertaram? Os mecanismos de privatização contribuíram para sacudir a indolência. Haveriam esses empresários, tanto brasileiros quanto de multinacionais, de investir em inovação, elevar a competitividade e tomar, enfim, o rumo das exportações de produtos com valor agregado? Em certa medida, sim, em maior medida não. Examinem a queda percentual da indústria na composição do PIB brasileiro, a dificuldade em exportar manufaturados e mesmo a dificuldade em competir no mercado interno com produtores estrangeiros, sem falar da chamada reprimarização econômica.
        Apesar das limitações do primeiro movimento de internacionalização econômica, o segundo, desta feita, de dentro para fora, com a expansão global de empresas nacionais, tomou impulso em poucos países da América Latina, de forma substantiva no Brasil, relevante também para México e Chile. Condições haviam sido postas nos anos 1990, porém a consolidação do movimento, pelo menos para o Brasil, ocorre no século XXI. Esse segundo movimento de internacionalização corresponde por certo a um salto de qualidade rumo à maturidade sistêmica da economia de mercado, porém não produz necessariamente impacto abrangente sobre aquela forma de dependência estrutural, derivada da escassez interna de investimentos em inovação.
        Em suma, o desenvolvimento segue sem superar obstruções de percurso. Por enquanto, não se observa no horizonte perspectivas de mudança qualitativa no que tange à modalidade de dependência econômica estrutural acima referida. A construção no Brasil de uma base econômica de impacto sistêmico segue lerda, lenta e truncada.


2. O fundamento político nacional e as perspectivas

        De 1930 a nossos dias, o Brasil passou por dois consensos regionais, depois avançou para uma opção globalista própria que se consolida no século XXI. Três fases espelham a evolução da política como fundamento das relações internacionais do Brasil.
        O consenso desenvolvimentista latino-americano, uma realidade palpável, implicou em estratégias feitas e desfeitas e racionalidade muito variável da política de industrialização entre os Estados da região. Daí rupturas, ritmos e efeitos diferenciados, especialmente onde partidos políticos, governos e regimes políticos se impuseram sobre a racionalidade do processo decisório e comprometeram as estratégias de desenvolvimento. Os dirigentes brasileiros foram, por certo, os que exibiram maior continuidade, por isso recolheram os melhores resultados de desenvolvimento do consenso.
        O consenso neoliberal latino-americano dos anos 1990 exibiu maior coerência regional. Mais uma vez, contudo, as experiências nacionais foram diferenciadas, especialmente a brasileira, visto que Fernando Henrique Cardoso foi capaz de fazer autocrítica de suas concepções e decisões políticas e de encaminhar a nação para seu sucessor em condições favoráveis ao salto de qualidade da internacionalização econômica e da ascensão do Brasil como potência emergente.
        Assim desperta a vocação globalista do Brasil no século XXI. Nesta fase, de formulação política própria, o Brasil se distancia da vizinhança. O universalismo da política exterior a sugeria. No século XXI, o país exibe essa disposição de exercer um papel global. Para reforçar seu poder e influência sobre o sistema internacional e os regimes que lhe são próprios, o país recorre a estratégias bem definidas: multilateralismo de reciprocidade, formação de coalizões de poder, integração regional instrumental, parcerias estratégicas bilaterais e, sobretudo, expansão para fora de suas empresas nacionais, aquela segunda internacionalização econômica.
É presumível que essa vocação globalista do Brasil, apesar de claro declínio de eficiência durante o governo de Dilma Rousseff, recupere seu movimento ascendente em futuro próximo. Forças políticas e da sociedade, que venham agir nesse sentido, estão apenas sonolentas.
        Quanto à capacitação militar, relevante agregado do poder nacional, a decisão política de construir potência, própria dos meados do século XIX e da era Geisel no século XX, não vingou e não vingará no futuro, em razão da matriz identitária da nação e da valorização da convivência pacífica com os vizinhos.


3. O fundamento histórico nacional e as perspectivas

        A Revista Brasileira de Política Internacional, RBPI, constitui a mais longa coleção de estudos sobre o crescimento das relações internacionais do Brasil: pensamento brasileiro, negociação diplomática, desígnios políticos e envolvimento da sociedade por meio de agentes econômicos e sociais não governamentais.
        Os estudos acerca das relações internacionais do Brasil, escassos na Academia até os anos 1990, quando o IREL era quase o centro único produtor de conhecimento, multiplicam-se desde então, no embalo da abertura econômica e social e da multiplicação exponencial de cursos de graduação, ao lado de programas dinâmicos de pós-graduação.
        Este conhecimento disponível permite identificar tendências históricas. Já nos referimos a algumas tendências das últimas décadas. Nossa reflexão prospectiva conduz às seguintes projeções:

a) ensino e pesquisa voltados à inserção internacional do país seguirão produzindo volume crescente de conhecimento, posto à disposição de decisores privados e dirigentes de Estado, com a fim de instruir a gestão da ação externa.
b) a vocação globalista do país, um desígnio da identidade nacional em fase de consolidação, manterá ritmo crescente em médio e longo prazos;
c) o desenvolvimento interno seguirá, porém obstruído pela ausência de política tecnológica de parte do Estado, pela ineficiente relação entre Universidade e empresa, como ainda pela baixa propensão do empresariado presente no país, brasileiro e estrangeiro, em inovar para elevar a competitividade de produtos e serviços a nível sistêmico;
d) a nova funcionalidade do Estado, que conceituamos em nossos estudos como Estado Logístico, feita à base da cooperação entre dirigentes e agentes não governamentais e da confiança mútua, é irreversível. E constitui o motor do desenvolvimento interno e da inserção internacional, visto haver superado definitivamente o Estado desenvolvimentista, o Estado neoliberal e o Estado neodesenvolvimentista, os quais se mantêm ou ressurgem na vizinhança.

Conclusão

        Novidade. O crescimento das relações internacionais do Brasil no campo cognitivo é tal que induziu uma iniciativa: o Dicionário de Relações Internacionais do Brasil. Um grupo de pesquisadores do IREL coordena. O projeto, em fase de implantação, prevê a colaboração da comunidade de especialistas nacional, espelhar sua maturidade, alcançando assim o melhor grau de objetividade e representatividade. Fatos, conceitos e agentes relevantes ou propulsores da ação externa estarão listados nos verbetes.

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